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abril 20, 2023

Como entrar com uma ação judicial contra o SUS?

O Direito Humano à Saúde é reconhecido por diversos e importantes documentos internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (arts. 4°, 1, e 5°, 1), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 12), o Pacto de San José da Costa Rica (arts. 2º e 26) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 2°, 1 e 3°), ambos assinados pelo Brasil, que assumiu o compromisso de implementação deste direito diante da comunidade jurídica internacional.

A saúde no ordenamento jurídico brasileiro

Reconhecido no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o Direito à Saúde é também um direito fundamental, porquanto positivado pelo legislador constituinte originário. Trata-se direito social previsto no caput do artigo 6° da Constituição Federal, inserto em uma categoria de Direitos Fundamentais que tem eficácia plena, segundo o parágrafo primeiro do artigo quinto, ou seja, é exigível do Poder Público sem a necessidade de outras normas regulamentadoras. É consequente do direito à vida, coroado no caput do artigo 5° da CF e expressão da dignidade da pessoa humana, consagrada como fundamento democrático pelo art. 1°, III também da Constituição.

Importante, neste contexto, transcrever algumas normas constitucionais:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Regulamentado o acesso universal à saúde, a Constituição Federal prossegue em relação à competência, determinando que os deveres com relação a tal direito são de todos os entes federativos, tanto União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o que se pode verificar da leitura tanto do artigo 196 como do 23, inciso II, também da Lei Maior.

O citado artigo 196 recebe regulamentação pela Lei n° 8.080 de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde. Segundo o art. 2° desta Lei, a saúde é um direito fundamental, e o Estado tem dever prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Prosseguem, em seu parágrafo primeiro, que este dever de garantidor do Estado compreende a formulação e execução de políticas econômicas e sociais com vistas à redução de riscos de doenças e de outros agravos e a estabelecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

A referida Lei Orgânica estabelece, em seu art. 4°, que constitui o Sistema Único de Saúde (SUS) a totalidade de ações e serviços de saúde, que são prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. Tal legislação estabelece, ainda, objetivos e campos de atuação do SUS, mas, neste artigo, atem-se aos princípios que regem o SUS.

Quais são os principais princípios que regem o SUS?

O SUS é regido por diversos princípios constantes do artigo 7° da Lei n° 8.080 de 1990, dentre os quais destacam-se alguns. O primeiro deles é a universalidade, previsto no inciso I do referido artigo, segundo o qual, todos os cidadãos brasileiros têm direito ao acesso às ações e serviços de saúde, sem discriminação.

O segundo seria o princípio da integralidade de assistência, que é entendido, nos termos do inciso II, como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços de prevenção e cura, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Já no inciso IV do artigo 7° tem-se a previsão do princípio da isonomia, que consiste na igualdade da assistência à saúde, não devendo haver privilégios ou preconceitos de qualquer espécie. E a gratuidade da prestação das ações e serviços em saúde pelo SUS, que também é tida como princípio, está prevista no art. 43 da citada legislação.

Da judicialização da saúde

Com a alçada do direito à saúde ao status de direito fundamental, a sua judicialização tem se direcionado a diversos serviços, tanto públicos como privados, tais como o fornecimento de medicamentos, a disponibilização de exames, cirurgias e a cobertura de tratamentos para doenças.

Ante os princípios acima explanados, o SUS acabou por se tornar uma espécie de “plano de saúde” para diversas pessoas que não tem condições de arcar com estes ou com tratamentos particulares. Assim, sendo o Brasil um país de dimensões continentais e um dos mais populosos do mundo, a demanda ao sistema de saúde se tornou muito grande.

Assim, existem filas para determinados tipos de atendimentos e procedimentos, bem como existem listas do que é e do que não é fornecido pelo SUS. A lista de medicamentos é o RENAME – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, enquanto a lista de procedimentos é a RENASES, a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde. Existe também o SIGTAP – Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM (Órteses, Próteses e Materiais Especiais) do SUS, em que se pode consultar tudo o que é disponibilizado pelo sistema.

Diante das filas, há casos em que a urgência não é atendida, sendo necessária a judicialização para que o Poder Judiciário determine o imediato atendimento à necessidade de um paciente, quando há risco de sequelas permanentes ou mesmo morte. E, ante a limitação das relações de medicamentos e procedimentos, quando estes não abarcam o tratamento necessário para uma determinada situação de saúde em que já se tentou as opções disponíveis no SUS ou que estas são insuficientes.

A ação judicial contra o SUS

Para ingressar com uma ação judicial para obtenção de alguma prestação de bem ou serviço do Sistema Único de Saúde, alguns procedimentos preparatórios são necessários.

O primeiro passo é a tentativa de obter a prestação diretamente no órgão competente, seja a Secretaria de Saúde estadual e/ou municipal, a depender da complexidade ou do custo do pretendido. Em caso de tratamentos experimentais (não registrados na ANVISA), de alta complexidade e/ou alto custo, o requerimento deve ser direcionado ao Ministério da Saúde. Isso porque a tentativa administrativa de obtenção do tratamento se mostra como requisito para a ação judicial, em que se deve demonstrar a negativa ou ausência de resposta.

Isso porque os Municípios e o Distrito Federal (DF) são responsáveis por políticas públicas de âmbito local, prestações de atendimento básico de saúde, atendimento clínico (excluída alta complexidade) e assistência farmacêutica básica. Já os Estados e o DF tem como incumbência políticas públicas de âmbito regional, prestações de média e alta complexidade, procedimentos cirúrgicos em geral e assistência farmacêutica especializada. A União, por sua vez, tem como responsabilidade políticas públicas de âmbito nacional, prestações de saúde pública expressamente selecionadas, em razão de sua complexidade e assistência farmacêutica estratégica.

Apesar do estabelecido na Lei Orgânica da Saúde, o tema já foi discutido no Supremo Tribunal Federal (STF) em recursos repetitivos, o que culminou no tema n° 793, em que restou fixada a seguinte tese:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”

Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem ser demandados isoladamente ou em conjunto.

Ademais, conforme termos definidos no julgamento do REsp 1.657.156/RJ (Tema 106 do STJ), a concessão de bens e serviços em saúde não incorporados ao SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

  • comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
  • incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
  • existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

Com os documentos pessoais, os pedidos médicos em conformidade com o estabelecido pelo CNJ e pela jurisprudência, além de exames, laudos e relatórios e a negativa em mãos, é possível ingressar com ação judicial cominatória para que algum ou todos os entes públicos sejam obrigados.

E, comprovado o risco de agravamento do estado de saúde ou mesmo de morte (perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo), bem como a probabilidade do direito, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, é possível que se obtenha a tutela já no início do processo.

Conclusão

Diante das limitações do SUS, como a insuficiência prestacional, é possível que se ingresse com ação judicial para obter o tratamento necessário, inclusive já obtivemos decisões favoráveis para clientes.

Para tanto, devem ser atendidos os requisitos legais e jurisprudenciais consolidados, como a negativa da administração, o laudo médico atestando a necessidade e a incapacidade financeira para arcar com o tratamento.

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