Quais as complicações tributárias causadas pela Shein?
É inegável a expansão do mercado digital nos últimos anos, principalmente com o empurrãozinho da pandemia do Covid-19, e, assim como a tecnologia em um panorama geral, a digitalização das compras ofereceu mais e maiores possibilidades ao consumidor, incluindo o acesso descomplicado ao mercado internacional.
Dessa forma, o que antes era comprado nos camelôs, hoje o brasileiro consegue comprar sem sair de casa tendo acesso a uma variedade muito maior, diretamente da China, por meio de aplicativos. A AliExpress comercializa no Brasil desde 2013, mas a Shopee e a Shein, que hoje dominam o mercado nacional, fazem parte do comércio brasileiro desde 2019 e 2020, consecutivamente.
O e-commerce chinês afeta cada dia mais o mercado interno e a segurança jurídica dos empresários e varejistas brasileiros, uma vez que estes seguem as normativas trabalhistas e tributárias impostas a eles pelo ordenamento brasileiro, enquanto as empresas chinesas conseguem se esquivar das mesmas obrigações.
Recentemente, deputados e senadores representantes da Frente Parlamentar Mista do Empreendedorismo (FPE) solicitaram providências ao Ministério da Fazenda frente à situação de evasão fiscal e falsa assimilação da livre concorrência, nomeando o episódio de “contrabando digital”.
Nesse sentido, apresentamos aqui as complicações tributárias que afetam o faturamento do Brasil perante a atuação irrestrita da nova modalidade comercial.
Qual é a manobra utilizada para baratear os preços?
Assim como apresentado pelos parlamentares, diariamente chegam ao país cerca de 500 mil pacotes oriundos do e-commerce chinês, sendo que as empresas chinesas não são taxadas sobre as suas atividades no Brasil, além de os seus produtos serem subfaturados. É notória a disparidade das condições às quais são submetidos os comerciantes chineses em relação aos brasileiros, pois são distintas as relações trabalhistas e tributárias.
O comerciante brasileiro deve atender a requisitos trabalhistas, tanto na cadeia produtiva quanto no âmbito das vendas, desde a observação de direitos trabalhistas, o cumprimento das custas remuneratórias e a devida manutenção dos estabelecimentos industriais e comerciais. Como o e-commerce chinês não está fisicamente presente no Brasil, com exceção de pontuais lojas ou estabelecimentos administrativos, as empresas não precisam se preocupar em atender os requisitos normativos trabalhistas brasileiros, uma vez que a confecção e produção são inteiramente realizadas no estrangeiro, onde não prevalecem as normas brasileiras.
Além da dispensa das custas trabalhistas, que corrobora para o barateamento das mercadorias chinesas, outro importante ponto é a viciosa isenção tributária utilizada pelos aplicativos chineses de modo a “fraudar” as taxações sobre importação.
O que acontece na prática é a exploração da cota de isenção tributária na importação de pacotes de até US$ 50,00 (cinquenta dólares estadunidenses) pela Receita Federal.
Dessa forma, se o pacote recebido pela aduaneira brasileira tiver nota fiscal de até US$ 50,00, a mercadoria não é afetada pela tributação, e, assim, o e-commerce chinês além de oferecer produtos subfaturados com o objetivo de não pagar tributos de importação, ainda utiliza a estratégia de fracionar o pedido em diferentes pacotes para fugir da taxação aduaneira.
Nesse sentido, a incidência de tributos é falseada, ainda pelo número exorbitante de pacotes entrando no país e a consequente faltosa fiscalização, e ratifica a utilização do termo “contrabando digital”, fato que evidencia a evasão fiscal impulsionada pelo e-commerce chinês, estimada em torno de R$ 14 bilhões (quatorze bilhões de reais) anualmente, sendo que essa hipótese aumenta a cada ano devido à procura hiperbolizada desse comércio. Com tanto, a relação consumerista inovada pelos aplicativos chineses aliou os interesses do consumidor pela facilidade, variedade e, principalmente, pelo menor preço ofertado em relação ao mercado interno brasileiro.
Apesar da manobra encontrada, a situação não vai contra a legalidade do ordenamento brasileiro. O problema maior reside na desproporcionalidade de encargos entre os comerciantes internos e os comerciantes de aplicativos estrangeiros aqui representados pela AliExpress, Shopee e Shein. Afinal, a proteção do mercado interno é oriunda da principiologia do protecionismo e soberania nacionais, apresentado na Constituição Federal, estando, em face da situação apresentada, ameaçados pela negligência legislativa devido à ocorrência de fato novo.
Qual é a solução mais apropriada?
A solução deste impasse reside na positivação dos deveres do e-commerce chinês no Brasil, ou seja, a produção de legislações específicas ao caso em foco, tendo em vista a novidade do comércio digital na sociedade brasileira que, até pouco tempo atrás, não fazia parte da rotina da população. Para o Direito, tem-se que toda matéria não arbitrada pelo ordenamento jurídico tem presumida a sua permissão, e, por isso, a atual inespecificidade dos comércios digitais no Brasil permite que a utilização dessas manobras pelos aplicativos chineses seja impunível, uma vez que não violam normas brasileiras.
Em 2022, a Receita Federal havia anunciado a elaboração de uma Medida Provisória com o objetivo de proibir que as empresas de e-commerce estrangeiras vendessem suas mercadorias para o Brasil sem o pagamento dos impostos devidos, essa alteração impactaria diretamente os aplicativos chineses como a Shein, pois tornaria obrigatória a incidência de tributação sobre compra e venda por meio de aplicativos. A Shein afirma que cumpre os requisitos legais, e ainda busca fornecedores brasileiros adequados à legislação brasileira e ao Código de Conduta da empresa, em que pese o abastecimento de seus pontos físicos no Brasil.
É perceptível que a problemática se arrasta em outros países como no Brasil, que a possibilidade de importação de mercadorias por pessoas físicas dificulta ainda mais a fiscalização, não bastando a numerosa quantia de pacotes recebidos diariamente pela aduana brasileira. Disso decorre o estabelecimento da responsabilidade do pagamento dos tributos, inspirando os argumentos favoráveis ao aumento da fiscalização tributária sobre a chegada de mercadorias no Brasil e o rastreio das movimentações de compra; além de que empresas estrangeiras de operações digitais que tenham relevância no mercado interno sejam obrigadas a manter escritórios no Brasil para que cumpram integralmente as leis tributárias.
Enfim, a regulamentação do e-commerce estrangeiro no Brasil compõe a melhor solução para a atual evasão fiscal e os prejuízos aos cofres públicos, como aos comerciantes internos. Também cogitado o tema a ser colocado em pauta na Reforma Tributária, ambas as deliberações atuariam no aumento dos preços devido à incidência de taxas e impostos, até então não postulados.
Qual sua opinião sobre? É a favor de uma regulamentação?